Lusa
Uma funcionária da Junta de Freguesia de Benfica acusa o presidente de racismo e de proibir conversas em crioulo nas instalações, mas o autarca alega que se trata de "especulação política" e admite instaurar um processo disciplinar por difamação.
Glória Monteiro, que trabalha há 20 anos na junta de freguesia (JF), está suspensa por um período de 30 dias "por violação do dever de correcção", na sequência de um processo disciplinar que lhe foi movido pelo presidente, o social-democrata Domingos Alves Pires.
O Bloco de Esquerda da Assembleia de Freguesia de Benfica está do lado da funcionária "discriminada" e vai apoiar uma concentração, frente à JF, quinta-feira, por considerar que o presidente se tem "destacado pela sua actuação arrogante e autoritária, revelando até desprezo pela própria Lei".
A assistente administrativa alega que o autarca lhe chamou "preta" e "golpista" no decorrer de uma discussão relativa ao período de marcação de férias e que já anteriormente tinha proibido o uso do crioulo quando conversava com a irmã, Lóide, também funcionária da Junta, no serviço.
Glória queixa-se de ser vítima de racismo por parte de algumas colegas e do presidente da Junta e afirma estar a ser perseguida, sendo confrontada, desde que o novo executivo entrou em funções, em 2005, com diversos impedimentos "face a qualquer pedido que faça".
Um dos exemplos que apontou, e que culminou na discussão que originou posteriormente o processo disciplinar, foi o facto do autarca ter indeferido o período de férias que tinha marcado, dizendo-lhe que "devia descansar era no mês de Agosto, e não quando queria".
"Achei que era uma perseguição por puro racismo e exigi uma justificação por escrito. Ele respondeu que quem decidia e quem mandava ali era ele. Instaurou-me um processo disciplinar porque eu lhe faltei ao respeito e lhe chamei racista porque se referiu a mim como +a preta+", contou Glória Monteiro à Agência Lusa.
Disse ainda que o presidente proibiu, verbalmente, as duas irmãs de falarem em crioulo, excepto na zona de convívio.
"Ele disse: estamos em Portugal, a língua é o português. Não quero mais crioulo aqui porque algumas colegas se sentem incomodadas com a vossa conversa", afirmou a funcionária da Junta, admitindo que continuou a usar o crioulo, embora a ordem nunca tenha sido retirada.
O presidente contrapõe outra versão dos factos, alegando que Glória "se comporta como uma privilegiada".
"Considera-se vedeta e acima de todas as outras e isso acarreta sempre incómodos junto dos outros. Há funcionários que acham que só têm direitos e não têm deveres", adiantou à Lusa o autarca social-democrata que reconheceu ter "chamado a atenção" para o uso do crioulo.
"A língua oficial, tanto para ela [Glória] como para qualquer funcionário, é o português. Por hábito, ela e a irmã resolviam falar em crioulo no espaço de serviço e eu chamei-lhe a atenção porque outras colegas se queixavam que isso as incomodava e lançava suspeições sobre aquilo que estavam a dizer. Quando uma pessoa fala com outra numa língua que as outras não percebem gera-se logo suspeição e mal estar".
Domingos Alves Pires nega, no entanto, as acusações de racismo:
"Nunca lhe chamei preta. É mentira e foi por causa disso que teve de levar o processo disciplinar. É palavra que eu não uso, o racismo só existe na cabeça dela e da irmã".
O mesmo responsável afirma que o processo disciplinar concluiu isso mesmo e que a única pessoa que ouviu a palavra "preta" foi a irmã de Glória, Lóide.
"Estavam lá mais três testemunhas que não ouviram nada. A irmã dela está a mentir de forma despudorada e vai levar um processo por ter prestado falsas declarações", garantiu.
O autarca justificou o indeferimento do período de férias solicitado por Glória Monteiro com o encerramento da JF durante o mês de Agosto.
"A Junta praticamente fecha em Agosto e essa senhora entendia que devia gozar as férias num mês diferente. Se a Junta fecha, fecha para toda a gente, o tratamento é igual. Quando as partes não se entendem quanto à marcação de férias, a lei diz que isso compete à entidade patronal. Isto foi decidido em reunião do executivo".
A troca de acusações, acredita o autarca, esconde motivações políticas.
"É especulação política. Duas vogais demitiram-se depois de votarem contra a sanção. Estimularam toda esta situação e querem fazer um aproveitamento político de um mero acto de gestão que é o processo disciplinar. Estão a abrir espaço e terreno para as próximas eleições autárquicas", explicou.
Domingos Alves Pires criticou ainda os protestos que Glória Monteiro tem feito frente à JF e ameaçou com novo processo disciplinar.
"Vai ter outro processo disciplinar com vista ao despedimento porque tem vindo para a praça pública enxovalhar a Junta e isso é muito grave. Praticamente todos os dias vem aqui para a frente da Junta com cartazes a caluniar-nos. Esta instituição não pode transigir com situações destas", sublinhou, acrescentando que o marido de Glória Monteiro já agrediu uma funcionária da JF de Benfica.
Por outro lado, o Bloco de Esquerda referiu, num comunicado, vários exemplos de "actuações inaceitáveis" do autarca, desde a abertura de concursos para contratação de pessoal "dando preferência a elementos do sexo masculino" a "insultos nas sessões da Assembleia de Freguesia" e "perseguição continuada de funcionários da Junta".
O Bloco afirma ainda que Domigos Alves Pires "criou um clima de medo dentro da Junta" e que já instaurou outros processos disciplinares.
Num dos casos, uma trabalhadora terá sido suspensa por quatro meses por ter dado uma falta injustificada. O BE afirma que o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa considerou a pena desproporcionada e aceitou a providência cautelar da funcionária, mas que o presidente continuou a recusar o pagamento dos meses em falta.