http://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2014/10/28/memoria-libertaria-reuniao-em-evora-antecedeu-a-criacao-da-fai-e-em-cima-da-mesa-esteve-a-possibilidade-de-uma-confederacao-sindical-iberica/#more-7375
Praça do Geraldo, cerca de 1923
A cidade de Évora, em 1923, foi palco de um encontro relevante que podia ter marcado um futuro diferente na história do movimento operário e anarquista peninsular. Num momento em que a repressão se intensificava, através de leis celeradas, anti-anarquistas e e anti-operárias por toda a Europa, as direcções da Confederação Geral do Trabalho portuguesa e da Confederacion Nacional del Trabajo espanhola, acompanhadas pelos militantes mais activos da União Anarquista Portuguesa e da Federação Nacional de Grupos Anarquistas de Espanha, concluíram ser útil coordenar esforços para, de forma conjugada, enfrentarem a repressão e lutarem por um mundo novo.
Évora foi o palco escolhido para esta primeira reunião da Conferência das Organizações Operárias de Espanha e Portugal. Desta reunião não saiu qualquer decisão vinculativa, mas ela tornou mais viva a necessidade de um órgão coordenador do anarquismo peninsular, que virá a acontecer mais tarde com a criação da Federação Anarquista Ibérica (em Valência, em 1927), mas que não terá correspondência a nível sindical, já que as diferenças da legislação laboral e das regulamentações existentes entre os dois estados tornava mais difícil essa coordenação do que no campo específico do anarquismo.
Em Évora, a CGT e a CNT (as duas organizações anarco-sindicalistas peninsulares integrando centenas de milhares de trabalhadores) fazem-se representar ao mais alto nível. É um momento histórico cuja análise, a nível nomeadamente da imprensa operária, local e nacional, está longe de ser feito. Pier Francesco Zarcone e Edgar Rodrigues, no entanto, dão algumas pistas relativamente a este encontro de Évora.
*
José da Silva Santos Arranha
O Anarquismo na História de Portugal
Pier Francesco Zarcone
Em 1923 em Évora teve lugar a Conferência das Organizações Operárias de Espanha e Portugal: estavam presentes, na qualidade de representantes da espanhola CNT, Ácrato Lluhl, Manuel Pérez e Sebastián Clara; e como representantes da CGT José de Silva Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa. Afirma Edgar Rodrigues que aquele acontecimento foi de importância fundamental para o anarquismo peninsular, porque do encontro nasceu o impulso de facto (se bem que não de jure) para a criação duma federação ibérica.
Em concreto, parece que Manuel de Sousa, apoiado por Pérez, propôs a formação duma entidade que unisse os anarquistas da península. Por outra parte, na sua célebre Historia de la FAI o espanhol Juan Gómez Casas ignora no total esta reunião.
Com certeza pode-se dizer que em Évora se falou dos problemas logísticos ligados à constituição dum comité sindical peninsular entre CNT e CGT, na óptica duma confederação sindical ibérica. Mas quer em Espanha quer em Portugal tudo se precipitou: em Maio de 1924 a ditadura militar de Primo de Rivera ilegalizou a CNT, dando um golpe terminal ao projecto de confederação entre as duas entidades anarco-sindicalistas.
Depois, a esperança residual foi cancelada pelo golpe militar em Portugal que mudou cabalmente a situação da CGT, declarada fora-da-lei no ano seguinte. Militantes dos dois países foram forçados ao exílio na Europa ou América Latina.
Melhor êxito teve o projecto paralelo que se movia no sentido duma federação entre as entidades anarquistas nacionais da península: este processo começou realmente em 1923, quando espanhóis e portugueses estavam dotados das suas próprias organizações nacionais: o Comité Nacional de Relaciones Anarquistas e a UAP. Em Abril de 1925 teve lugar em Barcelona o congresso clandestino dos anarquistas espanhóis, onde o representante português da UAP apresentou o pedido formal de criar uma federação anarquista ibérica. O congresso decidiu a formação duma comissão mista hispano/portuguesa com a tarefa de avaliar a possibilidade de realização da proposta.
Por causa da repressão do governo de Primo de Rivera, o Comité de Relaciones Anarquistas deslocou-se a França, onde, em Maio de 1926, em Marselha, decorreu o congresso da federação local dos anarquistas de língua espanhola, com a presença também de representantes da AIT, da Unione Sindacale Italiana-USI (Armando Borghi) e da CGT (Manuel de Sousa).
Francisco Quintal, delegado da União Anarquista Portuguesa, esteve na constituição da FAI
Naquela ocasião foram aprovadas:
a) a constituição da Federação Anarquista Ibérica;
b) a implantação transitória da sede do Comité de Coordenação da FAI em Lisboa, por causa das condições adversas para os anarquistas em Espanha;
c) a atribuição ao Comité da tarefa de convocar – quando possível – um Congresso Ibérico.
O golpe de estado militar do 28 de Maio de 1926 em Portugal – que deu início ao processo político do qual nasceu a longa ditadura de Salazar – entre outras coisas anulou também o Congresso Anarquista de Lisboa, que se realizou em Valência a 25 de Julho de 1927, data de fundação da FAI geralmente aceite. Neste congresso entre os delegados portugueses participava Francisco Quintal, do Comité da UAP e director do periódico “O Anarquista”. Para o Secretariado do Comité Peninsular da FAI foi nomeado Germinal de Sousa (filho de Manuel), com os espanhóis Ruiz e Jiménez.
*
Bordalo Pinheiro/ 1923
A Conferência das Organizações Operárias de Portugal e Espanha, em Évora 1923, Portugal, e o Congresso de Marselha, França, maio de 1926.
Edgar Rodrigues
A ferocidade da polícia sanguinária de Rivera e o pacto com o governo português de ajuda policial produziam a convicção nos anarquistas e sindicalistas ibéricos de que só a formação de um organismo constituído por anarquistas portugueses e espanhóis dispostos a lutar de igual para igual, naquilo que fosse possível, tornaria menos cruel o pacto dos governantes espanhol e português.
A polícia ibérica aliava-se para perseguir, prender, espancar e deportar anarquistas e sindicalistas: os anarquistas e sindicalistas portugueses e espanhóis pensaram fazer o mesmo! Criariam uma “força” libertária, ibérica, para defender e resguardar os idealistas que estivessem sendo caçados: era a lei do dente por dente, olho por olho.
Foi esta a razão maior, o motivo premente, que convenceu o militante anarquista português Manuel Joaquim de Sousa a apresentar esboço de um projecto na Conferência das Organizações Operárias e Espanholas de Évora em 1923, para apreciação, debate e alterações, se fosse preciso, criando-se a Federação Anarquista Ibérica e a Confederacion Iberica del Trabajo.
O propósito inicial, repito, era constituir agrupações dispostas a resistir e enfrentar o acordo policial dos governantes português e espanhol que vinham impedindo a marcha dos libertários ibéricos! A proposta apresentada recebeu a pronta concordância e apoio do militante português José Santos Arranha e dos espanhóis, Manuel Peres, J. Ferrer Alvarada, Sebastián Clara e outros nomes que não foram anotados na época por questões de segurança.