Até hoje nunca votei em qualquer acto eleitoral de tipo político, seja para a assembleia da república, para o presidente, para as autarquias locais ou mesmo para o parlamento europeu e não irei votar a 4 de Outubro. O país está melhor por isso? Acho que não, mas também acredito que não está pior…
A questão para mim nem sequer é a do voto ou a do não voto neste ou naquele partido – e de facto nenhum deles me representa. É mais a de, ao irmos votar, estarmos a legitimar o sistema representativo e parlamentar, atribuindo-lhe virtualidades que ele não tem, ou seja, que o voto pode mudar alguma coisa – o voto não muda, em geral, absolutamente nada. (No entanto, há ocasiões em que pode mudar e em que os anarquistas, embora não apelando ao voto, vão às urnas – foram, por exemplo em 1936 em Espanha, o que permitiu a libertação de milhares de trabalhadores da CNT e da FAI que estavam presos e que foram os primeiros a responder ao golpe fascista contra a República. Houve também bastantes anarquistas – outros não – que foram votar nas eleições de ontem na Catalunha, já que elas se transformaram num plebiscito à independência…, mas aqui não estamos a falar em actos eleitorais puros, tendo apenas em vista substituir um governo por outro, mas sim em actos muito concretos, visando um objectivo também ele muito concreto e que pode implicar o próprio acto de ir votar como elemento táctico para uma determinada estratégia: libertar presos, iniciar um processo de desmantelamento da monarquia, etc…).
Votar branco, nulo, nos pequenos partidos é, a meu ver, continuar a participar nesse espectáculo do faz de conta que está todo montado para que prevaleça sempre a vontade e os desígnios dos poderosos – e o jeito que dá a essa gente ter um PC colaborante, um BE preocupado com mais um ou menos um deputado (de que serve ter 8 ou 9 deputados? Ou mesmo 20 ou 30?) e algumas florinhas que nunca conseguem ter o menor eco eleitoral, mas que ao participarem nas eleições aceitam as regras do jogo que os grande partidos definiram para eles próprios – podem-se sentar à mesa do poder, mas ficam aí bem longe e a gente vai-lhes dando umas migalhinhas de visibilidade para se entreterem.
Acho que hoje a inutilidade do voto é tão grande (e tão visível para tanta gente) que nem vale a pena fazer campanha contra. Vale sim dizer que há muitas outras alternativas para quem critica e quer transformar a sociedade actual – criar movimentos nos bairros, participar no conjunto das mobilizações sociais que possam existir, criar centros alternativos e autogestionados, sindicatos com alguma capacidade transformadora, etc.. Qualquer um desses projectos vale bem mais do que um boletim de voto. E essa é uma mensagem que me parece útil passar, sobretudo quando uma esmagadora maioria de votantes o único acto de carácter político que executa é ir lá pôr o papelinho uma vez de quatro em quatro anos (ou de dois em dois, vá lá!).
Como muitos anarquistas já têm dito e escrito: o problema não é votar de x em x anos, mas sim o que se faz nos outros 365 dias de cada ano…
(a propósito é sempre interessante lembrar a posição da FAU – Federação Anarquista Uruguaia, com um grande historial, sobre esta questão – e que é idêntica à que quase todos os anarquistas defendem: http://www.nodo50.org/fau/revista/zurda/tiempo_elecc.htm)
E. M., Évora (por email)
sobre esta questão ver também aqui: http://www.apoyo-mutuo.org/por-que-no-votan-los-anarquistas/