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Apesar do movimento anarquista no Japão não conhecer actualmente o ressurgimento que tem acontecido noutras partes do globo, a verdade é que a presença libertária nesta parte do mundo foi muito forte durante a primeira metade do século passado (há um livro muito interessante, em castelhano, sobre o anarquismo no Japão, de Vitor Garcia, há muito esgotado, mas que pode ser descarregado a partir daqui), que deixou raízes profundas em muitos sectores da sociedade japonesa.
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Há 105 anos, o mês de Janeiro em Tóquio ficou assinalado pela execução de 12 anarquistas, entre eles Shusui Shūsui Kōtoku, uma das figuras mais destacadas do anarquismo japonês, e de sua mulher, Kanno Sugako, escritora e jornalista anarco-feminista.
Nascido a 22 de Setembro de 1871, Shusui Shūsui Kōtoku, filho de um farmacêutico, estudou medicina. No campo das ideias, primeiro tornou-se discípulo do japonês Tsomin Nakae, seguidor de Rousseau, mas depois vai evoluir para o socialismo e para o anarquismo. Em 1901, já jornalista do diário “Yorozu CHOH”, publicou o seu primeiro livro “O imperialismo, monstro do século XX” e dois anos mais tarde “A essência do socialismo”. Com o jornalista Toshihito Sakai apoiou o Partido Social Democrata Japonês, traduziram o “Manifesto Comunista” de Marx e criaram o semanário Heim Shimbun (A Plebe), que foi proibido pelos artigos contra a guerra russo-japonesa e a ocupação da Coreia. Em 1905 foi preso durante cinco meses por propaganda subversiva e será na prisão que descobre o anarquismo ao ler “Campos, fábricas e oficinas”, de Kropotkin.
Depois de libertado, foi para os Estados Unidos, em Novembro de 1905, onde tomou contacto com grupos anarquistas californianos, filiou-se no sindicato anarco-sindicalista Industrial Workers of the World (IWW), e pôde ler a literatura anarco-comunista que não era acessível no seu país. De regresso ao Japão, foi recebido com um comício de boas vindas, a 28 de junho de 1906, onde expos tudo o que tinha aprendido nos Estados Unidos (antiparlamentarismo, greve geral, anarcosindicalismo, etc.), tendo decidido reeditar o jornal Heim Shimbun, agora com carácter libertário. Em Fevereiro de 1907 declarou, num artigo publicado no Heim Shimbun, que era partidário da acção directa e contrário ao parlamentarismo e ao imperador.
Apesar da forte repressão foi muito activo na propaganda e quando o jornal foi novamente proibido criou uma nova revista, Yaradsu Chohu (Acção Directa), fazendo propaganda pela criação de sindicatos através de palestras pelo país. Mas em 1908 a repressão intensificou-se ainda mais e muitos anarquistas foram presos. Kotoku continuou a escrever ensaios em que denunciava o militarismo e onde demonstrava a inexistência de Jesus Cristo. Em Março de 1909 traduziu “A conquista do pão” de Kropotkin, para japonês (Pan no ryakushu), editando-se clandestinamente mil exemplares que foram distribuídos entre estudantes e trabalhadores.
Em 1910, quatro anarquistas foram presos depois de ser descoberto na sua posse material para o fabrico de bombas. Esta foi a oportunidade que o governo estava a esperar para acabar com o grande desenvolvimento que o movimento libertário estava a tomar. Centenas de militantes foram postos sob custódia policial. Kotoku foi detido em Agosto quando tentava embarcar para ir para a Europa participar no Congresso Socialista Internacional de Copenhaga. Por fim, 26 anarquistas, entre eles quatro monges budistas anarquistas, foram levados a tribunal sob a acusação de um complot para assinar o imperador e a sua família.
Todos, salvo dois, foram condenados à morte por traição a 2 de Janeiro de 1911 num processo sumarissimo chamado “julgamento da Grande Traição”; 12 viram comutadas as suas penas de morte para prisão perpétua e 12, entre os quais Kotoku e a sua companheira Sugar Kanno, foram executados. Também foi executado Gudo Uitxiyama, um sacerdote zen libertário que tinha montada por detrás de uma estátua de Buda uma imprensa anarquista no seu tempo budista. Shusui Kotoku foi enforcado a 24 de Janeiro em Tóquio, com outros 10 companheiros, e Suga Kanno foi enforcada no dia seguinte, sem qualquer razão, apenas porque já era tarde no dia anterior. Depois destas mortes muitos militantes libertários tiveram que se exilar e os que ficaram passaram pela prisão; foi a destruição não só do anarquismo, mas de toda a dissidência. Kotoku foi enterrado na sua terra natal de Nakamura onde o seu túmulo era venerado com uma devoção quase religiosa.
aqui (com alterações): http://efemeridesanarquistas1septiembre2012.blogspot.pt/2014/09/22-de-septiembre.html